18 de set. de 2008

Nau

Uma música ressoava como sino, tanto na mente quanto em seu coração. Misael sentia, até quando podia esticar e encurvar os dedos... Ele sentia... Era a melhor música que tocava daquela mulher, e ele lembrou-se. Ele lembrou-se quando lhe disseram e fora como um pesar, pois nunca mais a tinha visto... Riram juntos muitas vezes, caminhavam e flutuavam, até as mãos podiam encostar-se. Mas o tempo, o tempo humano os separou e por uma coisa ou outra, ela teve que ir...

- Eu sinto muito, Nau... Sinto por não ser perfeito...

Misael lamentou-se, pois vivia de lamúrias e das angústias que a raça humana lhe impunha, como um pisotear longo e dolorido. Nau, que há muito tempo o conhecia, desaparecia e seu rastro agora era quase invisível. Ele queria esquecer-se, deixar de lado momentos bons e quase-brigas, deixar de lado quem ela nunca fora na sua tão drástica e torturante vida sob asas ao Vento... Num momento ou outro Misael queria ver-se longe, queria que não houvesse memória tão pouco lembranças. Queria jogar-se, nunca mais poder encara-la nos olhos esmaecidos e cinzentos... Onde estava este par tão violento? Onde estava o olhar onde Misael pousara o seu próprio e tantas vezes chorava por estar distante? Ah, quantas vezes o Anjo fora alimentado por esperanças vãs que de nada serviam senão para machucar e machucar mais... Onde está quem prometeu nunca abandona-lo? Ele sim poderia enfiar-lhe uma espada e atravessar o coração de gelo pelas angústias que Nau o deixara usufruir... Humanos são só humanos e a questão é: quando irão nos reconhecer?

- Eu sinto muito, Nau... Mas é a hora de partir...

O preço do abandono é pago na mesma moeda. Misael não poderá voltar a vê-la, seria destrutível, seria desgastante... Como engolir uma única gota de água quando se tem muito mais sede... Misael pode tocar-lhe os cabelos loiros quando o Vento puxava-lhe para fora de seu quarto...

- Onde esteve você quando mais precisei? – dizia uma voz embargada num choro angustiante, que não saia, era criança esperneando dentro de uma caixa de papelão com medo do escuro que a envolvia... E ninguém conseguia tira-la de lá. Não havia buracos por onde se olhar, nem a Luz era capaz de transpassa-la. Misael estava morrendo ao abandono que sua antiga guarda o destinara... É por isso e por mais trezentos outros motivos que Misael não se queixa de não guardar, ele é a diferença entre Guardião e Anjo, finalmente... A mão quase foi capaz de arrancar os cabelos dela, enquanto como pluma suave quase não era percebida. Os olhos de Nau estavam fechados em sono, e para ele. Estava cega, surda, muda, sua pele não sentia mais o toque do Anjo...

- Não volte, nunca mais... Volte... – Ele chorou por mais alguns meses...

2 comentários:

Tyr Quentalë disse...

A dor que carregamos quando somos Guardiões, parecem ser mais intensas que os Anjos carregam. No entanto ainda chamam-no de Anjos, pois muitas vezes somos os Belos que estiveram presentes, alegrand a vida daqueles que teimam em dizer que não querem nossa companhia.
E aqui nos encontramos.. cada Anjo Guardião em seu pináculo, deixando nossas asas se estenderem até a Terra do Nunca, por vezes pranteando em silêncio mas jamais agonizando por inteiro.
Deixai que eu sorva tuas lágrimas e arranque a dor de teu coração, para que mais uma vez voe belo no valsar que apenas o vento pode nos dar.

Ela disse... Ele disse.. disse...

Eu já havia passado por aqui e lido sobre a despedida de Nau.. mas não tive tempo de comentar antes. As vezes.. a despedida se faz dolorosa.. desprender-se se faz angustiante.. mas é necessário. para que vc crie anticorpos para o que a sua vida lhe reserva. As vezes é necessário aprender a caminhar só. E Deixar partir.
Nau sentirá a perda.. a ausencia.. tanto ou mais do que o proprio Misael.

 

Um Relato de Misael © 2008. Chaotic Soul :: Converted by Randomness