20 de jul. de 2009

Oceano ciano

Estava tranqüilo, sentado a beira do píer dando boas-vindas silenciosas ao Vento que há tanto tempo servira-me de resguardo. Ah, a doce calmaria... Tudo tão silencioso, mas tão irritante ao mesmo tempo... Mandava que carregasse pra longe de mim os sentimentos de dúvida, minhas mensagens vagas, minha indiferença...
Tão logo o tempo corria pelos finos dedos da vida, trazendo e manchando minhas asas de muitas conversas, muitas lutas, muito choro e muita vitória... Lembro-me que mesmo aqui onde estou fui confrontado por palavras espertas que me consternaram, me fizeram calar e novamente achar que em vão uso a língua para alertar. Olhando o horizonte, pra esse oceano ciano, sorri involuntário quando um dia balancei os braços comicamente pra alguém que estava perto, alguém que me falava sobre o segredo desse mar e o eterno romance das ondas tocando-se. Fixei o olhar na espuma salgada, o píer era tão largo que por um momento pensei estar dentro das águas...
- Gabriel se fora... – eu lhe disse enquanto sorria matreiro.
Ela me olhou surpresa. Em minha forma humana havia me confundido.
- “O Mensageiro” está ocupado agora, e os caminhos mais áridos não os confiaram a ele...
Sentou-se ao meu lado, não parecia temer... De tempos em tempos dizia algo. Era tão forte quanto aparentava, embora seus argumentos inspirassem fragilidade. Tão sábias eram suas palavras no mesmo instante que me surpreendiam e me chocavam. Como um ser daqueles conseguia facilmente intrigar-me? Ofereci minhas asas como abrigo, pois senti que poderia confiar, que era recíproco, que não havia veneno nem falsidade na maciez evidente de sua língua e na suavidade plumosa de seus lábios... Eu poderia rebuscar o ar aliviado...
Segui na frente, mas não me condenei a um cárcere, não eu que sou “O Livre”! Ela havia fincado os pés no píer, observado minhas asas ruflarem incandescentes e não tirou os olhos delas, não até que a cor do oceano a inebriasse...
- O andarilho das águas está prestes a ser tragado por suas próprias origens, prestes a quebrar os remos...
Ela parou. Em sua teimosia esperou que os instantes lhe respondessem como quisesse.
- A resposta, muitas vezes, pode estar bem abaixo do seu nariz...
Sumi dentro de um raio de sol, ao que primeiramente me assemelhei. Voltei a ter as asas alvas em companhia, o Vento, a melancolia. Que outra injustiça cometi para não ter-lhes logo?

17 de jul. de 2009

Like rain with pain

- Debaixo da chuva muitas pessoas se sentem renovadas... ou, como acontece no geral, encharcadas, com frio e arrependidas por terem saído na rua num tempo tão ruim. A vontade é de chegar logo em casa, de mudar as roupas, aquecer-se e tomar alguma coisa bem quente, só assim se sentiriam revitalizadas... É, agora tudo muda... Talvez eu seja o mais estranho: desta vez a chuva e o vento congelante abrasaram meu coração... Não via coisa melhor senão deixar que cada gota gélida de água caísse sobre a pele e a arrepiasse por inteiro. Permiti que todas as minhas roupas fossem molhadas e o contrário de que essas muitas pessoas possam sentir, não... Eu não me renovei...
Levei enxurrada de poças enormes de água suja na cara, daqueles carros que sem dó adoram sacanear um coitado que passa na rua... Não fazia diferença. A única coisa com que realmente eu deveria me preocupar era em ouvir o ploc ploc do gotejar da chuva, dos pingos que iam da ponta dos meus cabelos iluminados até o chão. Minhas costas já doíam por tanto tempo tê-las deixado inclinadas e meu cotovelos pareciam tão frágeis quanto vidro, enquanto, por horas, estiveram colados aos joelhos. Minhas mãos pareciam duas velhas senhoras, já passavam de seus 95 anos, tão enrugadas que chegavam a dar pena... Se eu me levantasse desse banco de praça agora certamente que a cada passada meus coturnos fariam barulho como plástico sendo machucado. Não querendo tirar a atenção de ninguém, e ninguém estava ali, permaneci subordinado de chuva e frio... Um poste de luz laranja clareando minha sombra, o gosto salgado na boca e a solidão... Não sou como as pessoas que gostam de lareira e chocolate quente, neste momento prefiro mil vezes sentir o que verdadeiramente um ser humano sente. E mesmo que esses litros de água não façam nenhuma diferença, eles só me ajudam numa coisa: limpam meu rosto da sujeira das poças e tornam o gosto da boca agridoce...



 

Um Relato de Misael © 2008. Chaotic Soul :: Converted by Randomness