29 de out. de 2008

Teimosia




Eu escutei aquela frase diversas vezes: “Eu sempre volto”...

Mas dessa vez não houve sequer sombra... Sequer cheiro... Sequer sensação...

Misael erguia as asas encurvadas e elas doíam de tanto que foram enlaçadas e maltratadas por eras que se arrastavam. Ele olhava para todos os cantos, todas as nuvens possíveis e sentia medo de voar... Pela primeira vez sentiu medo do Vento e medo de ser carregado pelo seu encanto... Com os olhos cerrados e machucados conseguia ver entre lágrimas que embaçavam, os que com chicotadas castigavam suas costas, e com que grilhões amarravam seus braços e pernas, com que cordas prendiam suas asas e com que orgulho machucavam-nas... Ele via tudo, e sentia pena...

- Não me abandone, apesar de tudo, eu ainda quero seu bem...

- Maldito seja, Misael! Não me olhe deste jeito ou mandarei que meus flagelos te retirem a liberdade que tanto amas!

- Piedade de mim! Não me açoites mais!

E que pedido era aquele de olhos tão sofridos, de coração tão apertado, de sinceridade tão exposta que não conseguia ser atendido? O Anjo mais teimoso que não se põe rédeas como aos cavalos, nem se adestra como aos cães é o ser que mais sofria e sofre pelas atrocidades que o fazem pesar no lombo...

17 de out. de 2008

Uma doce voz, um secar de lágrimas, um sorriso aliviado...

Eu sabia que as coisas não estavam bem, que uma hora nada seria como antes... Os ventos iriam voltar-se contra as minhas asas e os verdadeiros rumos seriam tomados, as verdadeiras pessoas que se carregariam no coração, enfim, seriam contempladas... Senti que me arrancavam as penas, que as manchavam de negro e as acorrentavam em fortes tramas de ferro. A língua afiada daqueles que foram meu elixir durante muito tempo me cortava os ouvidos com suas palavras envenenadas... Eu poderia sentir escorrer o líquido ácido, corroendo cada poro de minha pele aos poucos...

Nunca me senti tão seguro...

Os meus olhos não eram meus, não eram tão azuis naquela noite, em que eu tentei por vezes, em batalhas de coração contrito e livre de armas brancas, vencer um terrível guerreiro... Um guerreiro que antes pertencia à linhagem mais nobre em todas aquelas terras que cercavam o meu pequenino antro de loucura... Agora, é vítima do meu coração mergulhado em dúvidas...

Não merecia tanto, de ninguém...

- Consegue ver estes ao meu lado? – eram monstros de faces assustadoras, impedidos por coleiras que os enforcavam, estavam famintos por carne... Pela carne que mesmo sem estar podre, fazia mal...

- No momento em que eu os soltar te caçarão pelo comprimento de toda a sua vida... E eles não cessarão até que o trabalho esteja completado...

Eu queria enviar uma mensagem, mas até minhas asas são limitadas a certos campos... Queria eu mesmo dilacerar um corpo, sentir o prazer de ver meus dedos sufocando, apertando o pescoço esguio das cobras que me atingem com suas picadas... Mas não vale o esforço...

Como eu pude confiar tanto?

Atingiam-me os olhos mais uma vez, os malditos cristais azuis que tanto querem cegar... Quando senti o corte sobre eles uma louca vontade de prantear tomou posse de meu corpo e teimou em alongar-se por uma noite inteira... Eu não mais conseguia ver, não conseguia entender quem ou o quê me machucava... Tive a sensação de estar esvaindo... Todas as minhas forças... Indo embora... Senti vontade de exorcizar esse fantasma, mas ele sempre é mais forte que eu e me assombra com forças ocultas... Mesmo estando onde está agora...

A última coisa que eu queria é que chegasse até onde chegou...

Os olhos maiores e vermelhos... Todo o corpo trêmulo e um desejo mortal de aniquilação... Não fosse a calmaria que trazia aquelas Asas, aqueles Anjos, as fortalezas que me cercam, meu choro duraria muito mais que uma simples noite... O abraço apertado, a cúpula de pares enormes de asas, o contraste de suas cores, a união que mesmo por vezes tão frágil se fazia presente por situações que nos interligavam...

Uma doce voz, um secar de lágrimas, um sorriso aliviado...

Nunca pude descansar tão tranqüilo... Tão seguro de mim. Notava que as penas arrancadas se revitalizavam, voltavam ao lugar de antes, crescendo firmes e ainda mais alvas... Os que me machucam sentirão que nunca deveriam ter feito e aos hipócritas, minhas sinceras desculpas, mas estou sendo bom demais para sua raça... Agora eu consigo ver, e não como antes...


Eu sou livre, não há coisa melhor...



 

Um Relato de Misael © 2008. Chaotic Soul :: Converted by Randomness