28 de dez. de 2008

Sem título

O Vento está estranho hoje, sinto que tudo mudou... Que de uma hora pra outra o planar nunca se tornou tão difícil e confuso. Seria o meu presente, ou o futuro do que me faço, um infortúnio? Desejo jogar todas as mazelas para fora do corpo, e desmontar os que ao meu lombo até hoje conseguiram prender-se. Estou afim de manda-los ao precipício e prender-los a grades e travas de chumbo. Dar-me-ei a honra de tal proeza? Eis a minha espada, eis a minha lança! Licença aos amigos, punhais aos corações dos inimigos! Onde estão? Esconderam-se da fúria, esconderam-se distantes. Não há presença, não há olhos. Lonjura intragável! Amargor, dor, lástima... Eis o pior dos sentimentos... O perder de amigos!

17 de dez. de 2008

Fiat Voluntas Tua

Misael tocou-lhe a face com os dedos trêmulos, mas esta se desfez em fumaça que se alargava ao ar e se dispersava unindo-se a ele e não mais existindo. Ele gritou curvando-se, um grito que lhe arrancava espadas e lanças da garganta e rios e mares de sangue dos olhos. Os cabelos grudados à pele queimavam-se no mesmo tom rubro. O corpo todo parecia consumido em puro ódio. Sentiu o baque sobre as asas e a dor descomunal e lacerante que pareciam moer as mesmas em uma espécie de máquina trituradora. O corpo era lançado ao chão como se pisoteado por uma manada de animais pesados, a testa era coberta do pó da terra e os olhos eram cegados fatalmente por ele... Estava na hora de desistir... As mãos eram inexplicavelmente algemadas a terra com a palma para cima assim como os pés separados um do outro. A dor era de estacas sendo cravadas ao meio das mãos e pés. O Anjo agonizava e preso lançava o corpo para cima na tentativa de livrar-se do que lhe causava tanta dor e agonia... De entre os dentes o grito escapava-lhe, a língua amaciada tornava-se rija... A cabeça freneticamente balançava de um lado para o outro.

- DEIXE-ME SAIR!!

Tivera todas as oportunidades do mundo para falar e inutilmente brigava contra uma força sobrenatural muito maior que seu próprio poder, sua própria liberdade.

Tudo a sua volta era circundado por um negrume absurdamente terrível e era como se os olhos estivessem fechados agoniados em abrir, como se costurados e pungentes e nada pudesse abri-los novamente. Os grãos de areia os cortavam e agora se pode imaginar o quão cruciante era.

- Deixe-me ir... Deixe-me ir...

Gastava o som da voz, de nada serviria... A lufada de vento se tornava ainda mais impetuosa, ainda mais poderosa, arrastava consigo as penas ensangüentadas para longe... O corpo do anjo parecia uma pena alvíssima sobre uma poça gigante de sangue, ela queria desprender-se, mas até então era impossível...

- Eu... Eu arrependo-me... Arrependo-me!

O chão era solto sob o corpo inerte de Misael, ele caia... Uma queda infinita que lhe trazia a mente o rosto materializado de um ser, e ele podia toca-lo novamente, pois os membros já poderiam aquietar-se...

Um suspiro, um sussurro... Um ambiente que se transformava... Havia neve, neve sobre a copa das árvores e um lago petrificado no qual Misael tentava reergue-se, fincar os pés e cambalear o corpo nu e friorento... Caminhar talvez, o importante era manter-se de pé... As asas novamente encurvavam, duas vezes maiores que o próprio corpo, franzino e débil... Ele não percebera, mas as feridas externas estavam cicatrizadas, os membros expurgados e tudo que lhe formava... Limpo e branco.

Mas o coração... Este sim mergulhado em desventura doía como a longas e incansáveis alfinetadas, profundas e indestrutíveis. Novamente os joelhos encontraram-se com o gelo... Os olhos embebidos em sentimento contemplavam o céu coberto de nuvens pesadas de chuva, escuras e cevadas, imponentes... Era hora de desistir... Era hora... Antes que fosse tragado finalmente... Era hora...

- Seja feita a vossa vontade...

E tudo a sua volta sumia como fumaça ao Vento...



 

Um Relato de Misael © 2008. Chaotic Soul :: Converted by Randomness